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porque é que votou desta vez, Se a esperança é como o sal, que acha que
deveria ser feito para que o sal fosse como a esperança, Como resolveria a
diferença de cores entre a esperança, que é verde, e o sal, que é branco, Acha
realmente que o boletim de voto é igual a um bilhete de lotaria,
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Que era o que estava a querer dizer quando disse a palavra branco, e novamente,
Que cântaro é esse, Foi à fonte porque estava com sede, ou para encontrar-se
com alguém, A asa do cântaro é símbolo de quê, Quando deita sal na comida,
está a pensar que lhe deita esperança, Porque é que traz vestida uma camisa
branca, Afinal, que cântaro era esse, um cântaro real, ou um cântaro metafórico, E
o barro, que cor tinha, era preto, era vermelho, Era liso, ou levava desenhos,
Tinha incrustrações de quartzo, Sabe o que é o quartzo, Já ganhou algum prémio
na lotaria, Porque é que na primeira votação só saiu de casa às quatro horas,
quando já não chovia há mais de duas, Quem é a mulher que está ao seu lado
nesta imagem, De que se riam com tanto gosto, Não lhe parece que um acto
importante como é o de votar deveria merecer de todos os eleitores com sentido
de responsabilidade uma expressão grave, séria, compenetrada, ou considera que
a democracia dá vontade de rir, Ou talvez pense que dá vontade de chorar, Que
lhe parece, de rir, ou de chorar, Fale-me novamente do cântaro, diga-me por que
não pensou em tornar a pegar-lhe a asa, há colas próprias, Significará essa
dúvida que a si também lhe falta uma asa, Qual, Gosta do tempo em que lhe
calhou viver, ou teria preferido viver em outro, Voltemos ao sal e à esperança, que
quantidade dela será conveniente pôr para não tornar intragável aquilo de que se
estava à espera, Sente-se cansado, Quer ir para casa, Não tenha pressa, as
pressas são péssimas conselheiras, uma pessoa não pensa bem nas respostas
que vai dar, e as consequências daí resultantes podem ser as piores, Não, não
está perdido, que ideia a sua, pelos vistos ainda não compreendeu que aqui
dentro as pessoas não se perdem, acham-se, Esteja tranquilo, não estamos a
ameaçá-lo, só queremos que não tenha pressa, nada mais. Chegados a este
ponto, encantoada e rendida a presa, fazia-se-lhe então a pergunta fatal, Agora
vai-me dizer como votou, isto é, a que partido deu o seu voto. Ora, havendo sido
chamados ao interrogatório
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quinhentos suspeitos caçados nas filas dos eleitores, situação em que se poderia
encontrar qualquer de nós vista a patente evanescência da matéria de uma
acusação pobremente representada pelo tipo de frases de que demos convincente
amostra, captadas pelos microfones direccionais e pelos gravadores, o lógico,
tendo em consideração a relativa amplidão do universo questionado, seria que as
respostas se distribuíssem, ainda que com uma pequena e natural margem de
erro, na mesma proporção dos votos que haviam sido expressos, isto é, quarenta
pessoas a declararem com orgulho que tinham votado no partido da direita, este
que está no governo, um número igual condimentando a resposta com uma pitada
de desafio para afirmarem ter votado na única oposição verdadeiramente digna
desse nome, isto é, no partido do meio, e cinco, nada mais que cinco, acuadas,
entaladas contra a parede, Votei no partido da esquerda, diriam firmes, mas ao
mesmo tempo com o tom de quem se desculpa de uma teimosia que não está na
sua mão evitar. O restante, aquele enorme resto de quatrocentas e quinze
respostas, deveria ter dito, de acordo com a lógica modal das sondagens, Votei
em branco. Esta resposta directa, sem ambiguidades de presunção ou prudência,
seria a que dariam um computador ou uma máquina de calcular e seria a única
que as suas inflexíveis e honestas naturezas, a informática e a mecânica,
poderiam permitir-se, mas aqui estamos a tratar com humanos, e os humanos são
universalmente conhecidos como os únicos animais capazes de mentir, sendo
certo que se às vezes o fazem por medo, e às vezes por interesse, também às
vezes o fazem porque perceberam a tempo que essa era a única maneira ao seu
alcance de defenderem a verdade. A julgar pelas aparências, portanto, o plano do
ministério do interior havia fracassado, e, de facto, naqueles primeiros instantes, a
confusão entre os assessores foi vergonhosa e absoluta, parecia não ser possível
encontrar uma forma de rodear o inesperado obstáculo, salvo se se ordenasse
submeter a tratos
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toda aquela gente, o que, como é do conhecimento geral, não está bem visto nos
estados democráticos e de direito suficientemente hábeis para alcançar os
mesmos fins sem ter de recorrer a meios tão primários, tão medievais. Foi nesta
complicada situação que o ministro do interior mostrou a sua envergadura política
e a sua invulgar flexibilidade táctica e estratégica, quem sabe se prenunciadora de
mais altos destinos. Duas foram as decisões que tomou, e ambas importantes. A
primeira, que mais tarde viria a ser denunciada como iniquamente maquiavélica,
constante de nota oficial do ministério distribuída aos meios de comunicação
social por intermédio da agência oficiosa estatal, consistiu num comovido
agradecimento, em nome de todo o governo, aos quinhentos cidadãos exemplares
que nos últimos dias se tinham vindo apresentar motu próprio às autoridades,
oferecendo o seu leal apoio e toda a colaboração que lhes fosse requerida para o
avanço das investigações em curso sobre os factores de anormalidade verificados
durante os dois últimos actos eleitorais. A par deste dever de elementar gratidão, o
ministério, antecipando-se a perguntas, avisava as famílias de que não deveriam
surpreender-se nem inquietar-se pela falta de notícias dos seus queridos
ausentes, porquanto nesse mesmo silêncio, precisamente, estava a chave que
poderia garantir a segurança pessoal deles, posto o grau máximo de segredo,
vermelho/vermelho, que havia sido atribuído à delicada operação. A segunda
decisão, para conhecimento e exclusivo uso interno, traduziu-se numa inversão
total do plano anteriormente elaborado, o qual, como decerto estaremos
lembrados, previa que a infiltração maciça de investigadores no seio das massas
viesse a ser o meio por excelência que levaria à decifração do mistério, do
enigma, da charada, do quebra-cabeças, ou como se lhe queira chamar, do voto
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